terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Bem vindo à Máquina! A propósito, qual de vocês é o Pink?


Quando falamos sobre o álbum Wish You Were Here do Pink Floyd, normalmente as primeiras idéias e sons que se formam em nossas cabeças nos remetem às faixas mais conhecidas do registro, “Shine On You Crazy Diamond” e “Wish You Were Here”, além de suas referências a Syd Barrett. Muita gente acaba se esquecendo das duas outras músicas que compõem o trabalho e suas críticas extremamente ácidas à indústria musical: “Welcome To The Machine” e “Have A Cigar”.
As duas canções citadas demonstram como os membros do Floyd (especialmente o autor das duas músicas, Roger Waters) encontravam-se desiludidos e inconformados com as manipulações das gravadoras e seus executivos sobre os músicos. Grande parte desta irritação se dava com a pressão que sofreram para gravar o sucessor de Dark Side Of The Moon, que todos sabem, catapultou o quarteto ao estrelato. Como curiosidade, embora na época a banda tivesse acabado de trocar de gravadora, saindo da EMI (para onde voltariam muito tempo depois) e assinando com a Columbia/CBS (anos depois, incorporada à Sony Music), em território britânico permaneciam na mesma Harvest (subsidiária da EMI), contra quem sua ira era disparada.

WELCOME TO THE MACHINE



De certa forma, esta música hipoteticamente nos remete a Syd Barrett e seu colapso mental, se levarmos em conta que este passou a ver o mundo ao seu redor como uma máquina que o engolia: não só a indústria musical, mas também os fãs e o grupo. Todos passaram a ditar o caminho que deveria trilhar para fazer sucesso, ficando sua liberdade e rebeldia inicial em segundo plano.

De qualquer forma, Wish You Were Here fez sucesso e sua faixa-título se tornou uma das músicas mais conhecidas da banda, mas o álbum não repetiu em termos de vendas o que seu antecessor Dark Side Of The Moon fez, para tristeza dos executivos... Independente das cifras, todos concordam que o Pink Floyd havia perpetrado ali mais um trabalho digno de ser chamado de clássico – aliás ambos disputam junto a The Wall o posto de álbum favorito do grupo entre os fãs. Qual é o seu?

Em “Welcome To The Machine”, podemos ver Waters e Richard Wright explorando pesadamente seus teclados e sintetizadores, além de vários truques com as fitas de gravações, criando um clima bem denso para o tema, que trata abertamente da desilusão pessoal dos músicos em relação ao mercado musical.
A letra da canção, em primeira pessoa do plural, mostra esta indústria, a Máquina, se dirigindo a um jovem músico, apresentando momentos de sedução do artista, com suas ideias de rebeldia e sucesso (“Você comprou uma guitarra para punir sua mãe”, “Você sonhou com uma grande estrela”, “Ele adorava andar em seu Jaguar”), ao mesmo tempo em que mostra as garras e a dominação que exercem sobre sua criatividade (“O que você sonhou? Tudo bem, nós dissemos com o que devia sonhar”).
Para as performances ao vivo, foi encomendado ao desenhista e artista gráfico Gerald Scarfe a criação de um vídeo de animação para ser projetado no palco – e que depois acabou sendo veiculado como vídeo clipe. Este vídeo mostra uma espécie de robô que aparenta um cruzamento de um Triceratops com um besouro ou um tatu, perambulando por um cenário apocalíptico, tendo se tornado um clássico. Lembrando que esta foi apenas a primeira parceria de Scarfe com a banda, que se repetiria depois nas animações e ilustrações de The Wall. Graças ao sucesso destas colaborações, Scarfe foi convidado na década de 1980 a trabalhar para a Disney, onde se tornou um dos chefes do estúdio de animação.

HAVE A CIGAR
Já em “Have A Cigar”, Roger Waters faz uma compilação dos maiores clichês e chavões que costumavam ouvir dos executivos musicais. Lugares comuns como “a banda é simplesmente fantástica”, “é um grande começo”, “Isto poderá se transformar em um monstro se seguirmos em frente como um time” dividem espaço com verdadeiros incômodos como “você deve isso ao público” e especialmente “A propósito, qual de vocês é o Pink?”. Sim, o descaso para com o artista era tão grande que os engravatados sempre achavam que Pink Floyd era uma pessoa – homem, mulher, inglês, americano... que diferença fazia? O que importava era o quanto esse tal de Pink Floyd rendia aos seus cofres... Por sinal, a frase “We call it riding the gravy train” (algo como “nós chamamos isso de ‘montar na grana’”) é cantada até o último suspiro para enfatizar o fato de as gravadoras “torcerem” o artista até “pingar” o último centavo.
Conforme entrevista publicada pela Rolling Stone em dezembro de 2011, Roger Waters pretendia cantar “Have A Cigar”, mas não o fez: “Eu tinha bastante capacidade para cantá-la e me deixei convencer do contrário”, disse Waters, que de certa forma culpou seus colegas por isso, em especial David Gilmour e Richard Wright: “Eu me lembro de terem feito de tudo para que eu não me sentisse a vontade. Minha lembrança é de David e Rick se esforçando para observar que eu não sabia cantar e era desafinado”.
A banda nos estúdios Abbey Road durante as
sessões de gravação de Wish You Were Here
Na verdade, Waters estava com a voz comprometida pelas várias tomadas realizadas para gravar “Shine On You Crazy Diamond”. David Gilmour também se recusou a cantar a música (“Não tinha nada contra ela, apenas achava que era fora de meu alcance vocal”). “Have A Cigar”, então, acabou sendo cantada pelo convidado Roy Harper, cantor de folk rock inglês (aquele mesmo homenageado pelo Led Zeppelin em “Hats Off to (Roy) Harper”).
Harper estava trabalhando em seu álbum HQ no Studio 2 em Abbey Road ao mesmo tempo em que o Pink Floyd ocupava o Studio 3. “Roy Harper estava gravando seu álbum em outro estúdio da EMI, e ele é nosso amigo. Pensamos que ele podia trabalhar nela”, disse Waters. E o resultado ficou sensacional, com Harper soltando sua voz ao máximo, conferindo uma dramatização da letra de forma impressionante. Segundo David Gilmour, todos adoraram a versão de Harper, exceto Waters. Embora melindrado, ele acabou convencido pela maioria e a gravação foi aprovada para o disco.
“Have A Cigar” é uma das duas únicas canções da banda cantadas por alguém que não fosse membro permanente da banda (a outra é “The Great Gig In The Sky”). A canção foi tocada nas turnês de 1975 e 1977 do Pink Floyd. Nas performances ao vivo, foi Roger Waters quem cantou a música e David Gilmour fazia os backing vocals. Harper chegou a cantar a música com a banda em uma ocasião, durante a apresentação do grupo no Festival Knebworth de 1975. Trinta e seis anos depois, com o lançamento de Wish You Were Here – Immersion Box Set, podemos conferir uma versão da música no disco bônus com Waters e Gilmour assumindo os vocais.
A grande prova do pensamento do grupo sobre os executivos expressado por estas duas canções está em uma das possíveis interpretações da imagem na contracapa do álbum: a figura de um homem de terno no deserto, sem corpo ou alma – exatamente como o Floyd enxergava a gravadora. Outros, porém, mencionam que como a temática do álbum é a solidão e o isolamento, esta imagem seria uma variação do tema.

Fonte: Whiplash!

Nenhum comentário: