Quando
falamos sobre o álbum Wish You Were Here do Pink Floyd, normalmente as
primeiras idéias e sons que se formam em nossas cabeças nos remetem às faixas
mais conhecidas do registro, “Shine On You Crazy Diamond” e “Wish You Were
Here”, além de suas referências a Syd Barrett. Muita gente acaba se esquecendo
das duas outras músicas que compõem o trabalho e suas críticas extremamente
ácidas à indústria musical: “Welcome To The Machine” e “Have A Cigar”.
As duas
canções citadas demonstram como os membros do Floyd (especialmente o autor das
duas músicas, Roger Waters) encontravam-se desiludidos e inconformados com as
manipulações das gravadoras e seus executivos sobre os músicos. Grande parte
desta irritação se dava com a pressão que sofreram para gravar o sucessor de Dark
Side Of The Moon, que todos sabem, catapultou o quarteto ao estrelato. Como
curiosidade, embora na época a banda tivesse acabado de trocar de gravadora,
saindo da EMI (para onde voltariam muito tempo depois) e assinando com a
Columbia/CBS (anos depois, incorporada à Sony Music), em território britânico
permaneciam na mesma Harvest (subsidiária da EMI), contra quem sua ira era
disparada.
WELCOME TO THE MACHINE
De certa forma, esta música hipoteticamente nos remete a Syd Barrett e seu
colapso mental, se levarmos em conta que este passou a ver o mundo ao seu redor
como uma máquina que o engolia: não só a indústria musical, mas também os fãs e
o grupo. Todos passaram a ditar o caminho que deveria trilhar para fazer
sucesso, ficando sua liberdade e rebeldia inicial em segundo plano.
De qualquer forma, Wish
You Were Here fez sucesso e sua faixa-título se tornou uma das músicas mais
conhecidas da banda, mas o álbum não repetiu em termos de vendas o que seu
antecessor Dark Side Of The Moon fez, para tristeza dos executivos...
Independente das cifras, todos concordam que o Pink Floyd havia perpetrado ali mais
um trabalho digno de ser chamado de clássico – aliás ambos disputam junto a The
Wall o posto de álbum favorito do grupo entre os fãs. Qual é o seu?
Em “Welcome
To The Machine”, podemos ver Waters e Richard Wright explorando pesadamente
seus teclados e sintetizadores, além de vários truques com as fitas de
gravações, criando um clima bem denso para o tema, que trata abertamente da
desilusão pessoal dos músicos em relação ao mercado musical.
A letra da
canção, em primeira pessoa do plural, mostra esta indústria, a Máquina, se
dirigindo a um jovem músico, apresentando momentos de sedução do artista, com
suas ideias de rebeldia e sucesso (“Você comprou uma guitarra para punir sua
mãe”, “Você sonhou com uma grande estrela”, “Ele adorava andar em seu Jaguar”),
ao mesmo tempo em que mostra as garras e a dominação que exercem sobre sua
criatividade (“O que você sonhou? Tudo bem, nós dissemos com o que devia
sonhar”).
Para as
performances ao vivo, foi encomendado ao desenhista e artista gráfico Gerald
Scarfe a criação de um vídeo de animação para ser projetado no palco – e que
depois acabou sendo veiculado como vídeo clipe. Este vídeo mostra uma espécie
de robô que aparenta um cruzamento de um Triceratops com um besouro ou um tatu,
perambulando por um cenário apocalíptico, tendo se tornado um clássico.
Lembrando que esta foi apenas a primeira parceria de Scarfe com a banda, que se
repetiria depois nas animações e ilustrações de The Wall. Graças ao sucesso
destas colaborações, Scarfe foi convidado na década de 1980 a trabalhar para a
Disney, onde se tornou um dos chefes do estúdio de animação.
HAVE A CIGAR
Já em “Have A
Cigar”, Roger Waters faz uma compilação dos maiores clichês e chavões que
costumavam ouvir dos executivos musicais. Lugares comuns como “a banda é
simplesmente fantástica”, “é um grande começo”, “Isto poderá se transformar em
um monstro se seguirmos em frente como um time” dividem espaço com verdadeiros
incômodos como “você deve isso ao público” e especialmente “A propósito, qual
de vocês é o Pink?”. Sim, o descaso para com o artista era tão grande que os
engravatados sempre achavam que Pink Floyd era uma pessoa – homem,
mulher, inglês, americano... que diferença fazia? O que importava era o quanto
esse tal de Pink Floyd rendia aos seus cofres... Por sinal, a frase “We call it
riding the gravy train” (algo como “nós chamamos isso de ‘montar na grana’”) é
cantada até o último suspiro para enfatizar o fato de as gravadoras “torcerem”
o artista até “pingar” o último centavo.
Conforme
entrevista publicada pela Rolling Stone em dezembro de 2011, Roger Waters
pretendia cantar “Have A Cigar”, mas não o fez: “Eu tinha bastante capacidade
para cantá-la e me deixei convencer do contrário”, disse Waters, que de certa
forma culpou seus colegas por isso, em especial David Gilmour e Richard Wright:
“Eu me lembro de terem feito de tudo para que eu não me sentisse a vontade.
Minha lembrança é de David e Rick se esforçando para observar que eu não sabia
cantar e era desafinado”.
A banda nos estúdios Abbey Road durante as sessões de gravação de Wish You Were Here |
Na verdade,
Waters estava com a voz comprometida pelas várias tomadas realizadas para
gravar “Shine On You Crazy Diamond”. David Gilmour também se recusou a cantar a
música (“Não tinha nada contra ela, apenas achava que era fora de meu alcance
vocal”). “Have A Cigar”, então, acabou sendo cantada pelo convidado Roy Harper,
cantor de folk rock inglês (aquele mesmo homenageado pelo Led Zeppelin em
“Hats Off to (Roy) Harper”).
Harper
estava trabalhando em seu álbum HQ no Studio 2 em Abbey Road ao mesmo tempo
em que o Pink Floyd ocupava o Studio 3. “Roy Harper estava gravando seu
álbum em outro estúdio da EMI, e ele é nosso amigo. Pensamos que ele podia
trabalhar nela”, disse Waters. E o resultado ficou sensacional, com Harper
soltando sua voz ao máximo, conferindo uma dramatização da letra de forma
impressionante. Segundo David Gilmour, todos adoraram a versão de Harper,
exceto Waters. Embora melindrado, ele acabou convencido pela maioria e a
gravação foi aprovada para o disco.
“Have A
Cigar” é uma das duas únicas canções da banda cantadas por alguém que não fosse
membro permanente da banda (a outra é “The Great Gig In The Sky”). A canção foi
tocada nas turnês de 1975 e 1977 do Pink Floyd. Nas performances ao vivo, foi
Roger Waters quem cantou a música e David Gilmour fazia os backing vocals.
Harper chegou a cantar a música com a banda em uma ocasião, durante a
apresentação do grupo no Festival Knebworth de 1975. Trinta e seis anos depois,
com o lançamento de Wish You Were Here – Immersion Box Set, podemos conferir
uma versão da música no disco bônus com Waters e Gilmour assumindo os vocais.
A grande
prova do pensamento do grupo sobre os executivos expressado por estas duas
canções está em uma das possíveis interpretações da imagem na contracapa do
álbum: a figura de um homem de terno no deserto, sem corpo ou alma – exatamente
como o Floyd enxergava a gravadora. Outros, porém, mencionam que como a
temática do álbum é a solidão e o isolamento, esta imagem seria uma variação do
tema.
Fonte: Whiplash!
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